25/11/2019

Luz sobre Elza Soares

Larissa Luz e Elza Soares







Elza Soares é cantora única, pois consegue navegar pelo samba, pelo rap e pela bolsa nova com maestria e elegância. Elza sabe de onde fala, o que fala e como fala.

Por falar em lugar de fala, Elza já foi posta atrás de Garrincha, mas ela soube muito bem se pronunciar como cantora da música popular brasileira, que não se submeteria à perspectiva hegemônica do futebol. Elza tem identidade.

Elza é ousada. Quando todo mundo endeusava a dimensão criativa da classe média brasileira como arauto da bossa nova, Elza lança um disco intitulado Bossa Negra, resgatando a influência afro que atravessa a bossa nova.

Ela foi mais ousada ainda quando perguntaram de que planeta ela viera, e a cantora respondeu de forma visceral, que viera do planeta fome. Naquele momento Elza Soares já traçara que caminhos deveria seguir como artista brasileira oriunda das instâncias desprestigiadas das classes pobres brasileiras.

Por este breviário histórico já se percebe o quão é difícil reinterpretar Elza Soares, pois a artista tem um legado complexo dentro do cancioneiro popular brasileiro. Mas existem mulheres peraltas por este Brasil afora, que não se contentam em si próprias e resolvem estabelecer pontes entre Elza e o resto do mundo.

É o que faz Larissa Luz no show Larissa canta Elza Soares - Do Cóccix até o Pescoço, uma apresentação artística em que Larissa reinterpreta algumas das clássicas interpretações feitas por Elza Soares, tendo como repertório principal, o disco Do Cóccix até o Pescoço.

Do Cóccix até o Pescoço é um trabalho artístico significativo da autora. Na época de lançamento do disco, Elza está afastada do mercado fonográfico brasileiro sem conseguir lançar nada.

Do Cóccix até o Pescoço demarca a volta de uma Elza moderna, hipermoderna, tratando a música brasileira de maneira diferenciada, cantando samba, rap, fado e o que mais lhe desse na cabeça.

E olha que o disco foi vendido em bancas de revistas em um encarte luxuoso que trazia fotos primorosas com meninas negras vestidas em estilo black power.
Aí aparece Larissa, que antes já tinha participado de um musical em homenagem à própria Elza durante o ano de 2018, da qual ela obteve o Prêmio Bibi Ferreira de teatro de melhor intérprete de musical.

Quem é essa tal Larissa, gente?


Larissa começou a carreira como cantora de axé musica na banda Araketu, esta já tinha sido uma banda de música afro-baiana, mas que se rendeu ao movimento da música mais dançante do axé baiano. Depois Larissa seguiu em carreira solo de cantora, mas já construindo músicas próprias, influenciada pelas batidas dos retumbes que ecoavam da cultura africana do século XXI.

E como foi o show?


O que esperar de uma cantora que passeia pelo teatro, compõe e interpreta a nova música afro-brasileira? Se você pensa que vai encontrar uma imitação técnica perfeita das interpretações de Elza Soares está por fora da força de Larissa. No show a cantora-luz brinca de Elza Soares. Ela incorpora o santo de Elza, mas não deixa de ser Larissa Luz.

Os antropólogos deveriam assistir a esse show, pois terão muitos ingredientes para estudar as questões das representações e das identidades. O santo de Elza baixa em Larissa e elas se amam e cantam harmoniosamente, pois todas as vezes em que Larissa faz os trejeitos de Elza, a alma da cantora que reinterpreta está ali, latente e feliz. É um encontro de almas que confabulam e se referenciam em um espetáculo.

Se Elza Soares é uma grande cantora, Larissa Luz também o é. Por isto do grande encontro entre quem interpreta e quem reinterpreta, provocando um momento de luz e inquietação no cenário musical brasileiro.

Ganha o espectador que é fã de Elza, também ganham os seguidores de Larissa, genuína representante da hodierna música popular brasileira.

E aí? Este texto não vai fazer comentários sobre cada música do espetáculo? Olha, o melhor é você ir ao show, pois ouvir Larissa não é momento para elucubrações e comentários técnicos sobre o teor musical. Ouvir Larissa é um momento de fluidez, de curtir a vida, de se encontrar com a própria brasilidade.

Até a próxima!