Elza Soares é cantora única, pois consegue navegar pelo
samba, pelo rap e pela bolsa nova com maestria e elegância. Elza sabe de onde
fala, o que fala e como fala.
Por falar em lugar de fala, Elza já foi posta atrás de Garrincha,
mas ela soube muito bem se pronunciar como cantora da música popular
brasileira, que não se submeteria à perspectiva hegemônica do futebol. Elza tem
identidade.
Elza é ousada. Quando todo mundo endeusava a dimensão
criativa da classe média brasileira como arauto da bossa nova, Elza lança um
disco intitulado Bossa
Negra, resgatando a influência afro que atravessa a bossa nova.
Ela foi mais ousada ainda quando perguntaram de que planeta
ela viera, e a cantora respondeu de forma visceral, que viera do planeta fome.
Naquele momento Elza Soares já traçara que caminhos deveria seguir como artista
brasileira oriunda das instâncias desprestigiadas das classes pobres
brasileiras.
Por este breviário histórico já se percebe o quão é difícil
reinterpretar Elza Soares, pois a artista tem um legado complexo dentro do
cancioneiro popular brasileiro. Mas existem mulheres peraltas por este Brasil
afora, que não se contentam em si próprias e resolvem estabelecer pontes entre
Elza e o resto do mundo.
É o que faz Larissa Luz no show Larissa canta Elza Soares - Do Cóccix até o Pescoço, uma apresentação
artística em que Larissa reinterpreta algumas das clássicas interpretações
feitas por Elza Soares, tendo como repertório principal, o disco Do
Cóccix até o Pescoço.
Do Cóccix até o Pescoço é um trabalho
artístico significativo da autora. Na época de lançamento do disco, Elza está
afastada do mercado fonográfico brasileiro sem conseguir lançar nada.
Do Cóccix até o Pescoço
demarca a volta de uma Elza moderna, hipermoderna, tratando a música brasileira
de maneira diferenciada, cantando samba, rap, fado e o que mais lhe desse na
cabeça.
E olha que o disco foi vendido em bancas de revistas em um
encarte luxuoso que trazia fotos primorosas com meninas negras vestidas em
estilo black power.
Aí aparece Larissa, que antes já tinha participado de um
musical em homenagem à própria Elza durante o ano de 2018, da qual ela obteve o
Prêmio Bibi Ferreira de teatro de melhor
intérprete de musical.
Quem é essa tal Larissa, gente?
Larissa começou a carreira como cantora de axé musica na
banda Araketu, esta já tinha sido uma banda de música afro-baiana, mas que se
rendeu ao movimento da música mais dançante do axé baiano. Depois Larissa seguiu
em carreira solo de cantora, mas já construindo músicas próprias, influenciada
pelas batidas dos retumbes que ecoavam da cultura africana do século XXI.
E como foi o show?
O que esperar de uma cantora que passeia pelo teatro, compõe
e interpreta a nova música afro-brasileira? Se você pensa que vai encontrar uma
imitação técnica perfeita das interpretações de Elza Soares está por fora da
força de Larissa. No show a cantora-luz brinca de Elza Soares. Ela incorpora o
santo de Elza, mas não deixa de ser Larissa Luz.
Os antropólogos deveriam assistir a esse show, pois terão
muitos ingredientes para estudar as questões das representações e das
identidades. O santo de Elza baixa em Larissa e elas se amam e cantam
harmoniosamente, pois todas as vezes em que Larissa faz os trejeitos de Elza, a
alma da cantora que reinterpreta está ali, latente e feliz. É um encontro de
almas que confabulam e se referenciam em um espetáculo.
Se Elza Soares é uma grande cantora, Larissa Luz também o é.
Por isto do grande encontro entre quem interpreta e quem reinterpreta,
provocando um momento de luz e inquietação no cenário musical brasileiro.
Ganha o espectador que é fã de Elza, também ganham os
seguidores de Larissa, genuína representante da hodierna música popular
brasileira.
E aí? Este texto não vai fazer comentários sobre cada música
do espetáculo? Olha, o melhor é você ir ao show, pois ouvir Larissa não é
momento para elucubrações e comentários técnicos sobre o teor musical. Ouvir
Larissa é um momento de fluidez, de curtir a vida, de se encontrar com a
própria brasilidade.
Até a próxima!
+Postagens